CARTOGRAFIA DE PRESENÇAS

Do momento histórico presente reivindicarmos os espaços caros para as memórias negras da cidade de Petrópolis, os ressignificando a partir do que chamamos de CARTOGRAFIA DE PRESENÇAS.

Através das ações de rememoração dos lugares e práticas, se propõe construir uma cartografia que conecta a história do território à memória negra, numa busca por promover uma outra dimensão espacial de nossas presenças. A narrativa percorre as escalas e camadas definidas anteriormente, possibilitando a leitura de estruturas coloniais preservadas pela morfologia urbana e espaços da cidade. Uma cartografia que marca no tempo e espaço os antecedentes junto a atualidade. Um percurso de memória de afirmação de nossas presenças passadas, presentes e futuras. 

1. IGREJA DO ROSÁRIO DOS HOMENS PRETOS

       Neste ponto esta a capela que deveria ser para os homens pretos, mas, atualmente, é dos homens. Os registros sobre a construção da igreja datam do início do século 17, e os registros de inauguração em 1883.  Erguida e custeada por mãos negras.

       Localizada em um eixo muito singular da cidade, em maio de 1953 se inicia uma reforma da igreja com o discurso dela estar dentro do plano revitalização da cidade e de restauração da Praça de Inconfidência, sob o argumento de se resgatar o passado histórico. Nesta obra, encobriu-se não só o passado histórico de tudo que ela representa para a formação do povo preto, pra história, arquitetura, economia e afins.

       Em 3 de abril de 1978, foi inaugurada a nova igreja.  Internamente se tem a pintura dedicada ao Monsenhor Gentil, responsável pela revitalização da igreja, mas não se tem o vestígio da construção via mão e intelectualidade de homens e mulheres negras. Para dizer que não tem, a placa de identificação da igreja confere a antiga construção o título de primitiva. A praça em frente à igreja deixou de ser uma área negra, passou a ser uma área pobre. Passou a ser ponto de partida para muitas manifestações e para requerimento de direitos sociais e trabalhistas, perdendo a centralidade de ser um ponto de referência na cidade.

– Fonte: AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades/Renata Aquino da Silva. – 2019.

 

   
2. BARÃO DE GUARACIABA - O 1º BARÃO NEGRO

       Francisco Paulo de Almeida, um negro que em sua trajetória (1826-1901), conseguiu o título de baronato, pertenceu a oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba do Sul Fluminense, com diversas fazendas; foi empresário com firmas de importação e exportação; deu sua contribuição na Estrada de Ferro do Vale do Paraíba; foi sócio fundador do Banco Territorial de Minas Gerais e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. 

Após a Proclamação da República, adquire o Palácio Amarelo, vizinho de frente do Imperador, atual sede do Legislativo, na cidade de Petropólis-RJ, onde passa a ser perseguido pelo legislativo, até vender seu imóvel. Desfrutou da amizade da Princesa Isabel e do Conde D’Eu, seus filhos homens foram enviados a França para estudar, tendo o mesmo feito diversas viagens a França, vindo a falecer em Janeiro de 1901.

       Já existem estudos consistentes sobre a trajetória do barão, mas, pouco foi falado sobre o processo de venda do Palácio Amarelo no pós-abolição. Não há argumentos que expliquem a necessidade de forçar um homem a vender uma propriedade. Usaram do poder público por meio de oferta de financiamento para quem construísse um imóvel qualquer, como um mercado público, desde que desvalorizasse a propriedade do Barão.

“Guaraciaba distinguiu-se por ter sido financeiramente o mais bem-sucedido negro do Brasil pré-republicano. Ele se tornou o primeiro barão negro do Império, notabilizando-se pela beneficência em favor das Santas Casas”, afirma a historiadora e escritora Mary Del Priore.

 
 

 FONTES: 

– AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.
– LOPES, Marcus. A história esquecida do 1º barão negro do Brasil Império, senhor de mil escravos. BBC News. 15 julho 2018. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44792271>. Acesso em: 04/11/2021.
– ALBERTO, Carlos. Francisco Paulo de Almeida- Barão de Guaraciaba: Inserção de um negro nas atividades econômicas, sociais e políticas do Brasil no século XIX. ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – For
 
3. MERCADO DE ESCRAVIZADOS

O silêncio sobre o “Clube do Comércio”, um mercado que comprava, vendia e alugava escravizados, localizado na Rua do Imperador número 58. Nada diferente sobre o estabelecimento do número 23, que “emprestava-se dinheiro por penhor de ouro, prata ou brilhantes e escravos eram comprados e vendidos; por sinal, em O “Parahyba” de 13 de maio de 1857 anunciava-se a venda de um ‘moleque’ de 18 ou 20 anos, ótimo pedreiro” (HAACK, 2015).

 
 
 
4. A PRAÇA DA LIBERDADE

       A extensa faixa denominada de Largo Dom Afonso, atual Praça da Liberdade, foi pensada como a principal da cidade. Foi chamada de Dom Afonso até 1888 em homenagem ao barão mais novo, filho primogênito de Dom Pedro II que seria o herdeiro do trono, mas que morreu aos dois anos de idade.

Espaço que sempre esteve relacionado às manifestações populares e que, sendo denominada Praça da Liberdade em 1888, porque ali se praticava o encontro de homens e mulheres livres que negociavam e compravam a liberdade de cativos, que em liberdade partiam em direção à praça como ato de comemoração a sua liberdade. Manifestação que torna o espaço representativo.

No ano de 1923, seu nome mudou para Praça Rui Barbosa. Porém, o nome não caiu no gosto do povo, que continuou chamando-a de Praça da Liberdade, nome posteriormente retomado. Em 1964, a Praça passou por grande reforma e algumas características foram preservadas, como o coreto, as palmeiras imperiais e a ponte de madeira. Depois de algumas reformas, instalaram um busto de Zumbi dos Palmares.

 

 FONTES: 

– AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.
– SILVA, Lucas Ventura da. “Por entre flores e festas”: as dinâmicas de abolição e  liberdade na Petrópolis de 1888 / Lucas Ventura da Silva  – 2020.
5. MONUMENTO A ZUMBI - HERÓI NEGRO

Em homenagem ao local no qual diversos homens e mulheres livres libertos se reuniam para comprar a liberdade de cativos com seus próprios recursos, foi inaugurado, no ano de 2009 um busto de Zumbi dos Palmares. 

A Praça da Liberdade era local tradicional da altruística reunião de libertos e como homenagem foi projetada pelo artista plástico petropolitano Dennis Cross, um busto de Zumbi dos Palmares, um dos ícones brasileiros da resistência escrava no Brasil Colonial. 

A homenagem faz parte de um conjunto de medidas do governo brasileiro na primeira metade da década do século XXI, que tenta resgatar ícones da História brasileira que viveram apagados durante as era imperial e primeiros cem anos da República, fortemente dominados pelo poder oligárquico e agrário.

 
 
 

 FONTES: 

– AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.
6. UM PELOURINHO EM PETRÓPOLIS

       Petrópolis, como todas as cidades brasileiras no meado do século XIX, também possuiU seu pelourinho, a coluna de pedra ou madeira posta em local público, junto à qual se expunham e castigavam os criminosos. O pelourinho, de acordo com Walter Bretz, ficava na antiga praça dom Afonso, atual Rui Barbosa, porém é mais conhecida atualmente como “ Praça da Liberdade”, próximo a mansão Franklin Sampaio construída pelo Monsenhor Bacelar, aonde hoje tem o parquinho de diversão para crianças. O poste era de madeira com duas argolas de ferro as quais eram amarrados os condenados, em geral pobres escravos, a fim de sofrerem o castigo corporal imposto pela lei. 

       A tese do pelourinho em Petrópolis é bastante refutada por parte dos historiadores que estudam a cidade. As refutações se baseiam na premissa da cidade ter sido construída com mão de obra livre. Uma premissa deveras poética se toda a região não tivesse sido ocupada por fazendas, se as fazendas não tivessem sobrevivido do escravismo, se a população negra que se aquilombava não tivesse sido perseguida, se a construção da cidade não tivesse começado antes da chegada do cotista alemão, se as terras onde a cidade foi construída não tivessem sido a fazenda do Córrego Seco. 

       Não há registros de onde foi instalado o pelourinho, como também não foram encontrados registros de descumprimento das ordens da Coroa. Não seria uma ironia histórica a renomeação como Praça Rui Barbosa do local, conhecido como Praça da Liberdade pela prática de homens e mulheres livres negociarem e comprarem a liberdade de cativos. Depois de algumas reformas, instalaram um busto de Zumbi dos Palmares. 

       Negar o pelourinho na Praça da Liberdade é uma estratégia narrativa de omissão de fatos que podem ruir o argumento de cidade livre de mão de obra escravizada. Muito pelo contrário, nem o centro planejado como uma vitrine para essa farsa esteve livre disso. Há um conjunto robusto de dados de demonstram que havia uma presença intelectual, técnica e científica negra, que foi convertida em tráfico e comércio de pessoas.

 
 

 FONTES: 

– AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.
7. CEMITÉRIO DE AFRICANOS

       O terreno cedido a Igreja do Sagrado Coração de Jesus foi a do antigo cemitério da cidade. No terreno que atualmente abriga um convento de franciscanos, estavam enterrados 84 africanos de nações diversas. Não se trata de um simples levantamento sobre africanos sepultados no cemitério de Petrópolis, mas de dados contundentes de um processo de revitalização do espaço urbano de sistemática dupla: a primeira de derrubada dos testemunhos de urbanização negra; a segunda de erguimento e construção de uma presença branca. Tanto é que o engenheiro Koeller estava sepultado no mesmo cemitério, mas os restos mortais deste senhor foram transferidos para o novo cemitério; em relação aos demais africanos, não há registros sobre o destino dado. 

       Os relatos falam da transferência do cemitério para outro local, mas o único de fato transferido, registrado, reverenciado e memorado é os do Koeller. Há de se pensar que, em termos de história ou de construção da história de um lugar, o que está sendo feita é uma seleção de eventos e dados que interessam à mola mestra da questão – a figura da Majestade Pedro ligada à liberdade teoricamente materializada em solo imperial. 

       São 84 registros de sepultamento que vão de 1885 a 1892, sendo que 44 deles ocorreram de 1888 em diante. Evidentemente, antes de a formalização do cemitério, muitos eram sepultados nas fazendas e, no caso dos quilombos, em cemitérios como o exemplo do Vargem Grande e do Maria Conga. O quantitativo em si é bastante expressivo para um lugar rogado de não ter havido negros nem mão de obra escravizada e, se considerada a população da época e abrangidas as áreas de fazendas, ratifica-se a tese de urbanização negra.

 

 
 

 FONTES: 

– AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.
8. QUILOMBO CENTRAL

Exemplo de tal crasso entendimento é o relato, no jornal “Parahyba”, do artista e paisagista, Jean Baptiste Binot, que registrou a existência de área cultivada, estrutura agrária e formação de uma sociedade organizada e liberta, antes de 1838, em terras onde ainda não eram demarcados os limites territoriais de Petrópolis, hoje o Palácio de Cristal. Não afirmaram que era um quilombo, pois atestariam contra o poder do Império.

 

Fonte:

AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.

 

 

9. PALÁCIO DA LIBERDADE

Passadas as festas e comemorações em prol da abolição em Petrópolis, o tão esperado dia, a entrega das alforrias finalmente aconteceu. A solenidade de entrega dos títulos de liberdade de 1º de abril de 1888 teve intensa repercussão na imprensa local e da corte. 



A FESTA DA LIBERTAÇÃO 

Em nossa vida, já de não curta duração poucas vezes nos temos conhecido agitado por júbilo comparável ao que nos dominou ao assistirmos a festa efetuada nesta cidade a 1º do corrente. 

Descrevê-la como a apreciamos no fora impossível; e, portanto, limitar-nos-emos a simples narrativa. 

Pouco depois de uma hora da tarde desfilaram no Salão da Floresta, precedidos pela banda de música alemã e empunhando bandeiras brasileiras, os que iam receber os seus títulos de libertação. 

[…] 

Já o pavilhão da associação Hortícola e Agrícola de Petrópolis [Palácio de Cristal], vistosamente ornado de sedas e flores […]40

 

 FONTES: 

.SILVA, Lucas Ventura da. “Por entre flores e festas”: as dinâmicas de abolição e  liberdade na Petrópolis de 1888 / Lucas Ventura da Silva – 2020.
 
10. RUA TREZE DE MAIO

O Brasil foi o último país independe a acabar com a escravidão. Deixando de ser legal apenas em 13 de maio de 1888.  Não foi um ato de caridade, foi resultado de nossa ancestral resistência, que ainda hoje seguimos lutando pelo direito de viver. Trezes de maio marcados pela reflex[ação] de urgência da vida. Uma data retomada pela denúncia contra a violência à nossa existência. 

Combinaram de nos matar, mas combinamos de viver! Mais importante que o dia 13 são todos os dias que o sucedem.

 

 

 
 
11. QUITANDINHA - TOPONÍMIA AFRICANA

Entre fatos e dados históricos, está o topônimo Quitandinha, um conjunto de bairros que faz ligação com o Caminho Novo por meio do bairro Alto da Serra. Quitandinha tem origem no quimbundo, língua falada em Angola, país onde muitos africanos foram sequestrados em nome do escravismo (CUNHA JR, 2015). Assim, kitanda (feira) deriva do termo kutanda (ir para longe). Integrada à língua portuguesa, a palavra kitanda foi modificada pelas normas gráficas da referida língua. 

Ambos nomes traduzem o local estratégico do bairro que era caminho para o interior do país e para o Porto da Estrela, que representava um importante ponto de escoação de mercadorias para a Europa assim como para a capital da província. Uma área tão importante devido à localização, que tem nome de origem africana.

 

 FONTES: 

AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.

12. QUISSAMÃ - TOPONÍMIA AFRICANA

Entre fatos e dados históricos, está o topônimo Quissamã, um grande bairro da cidade, onde se passava o Caminho Novo. não se sabe ao certo, quando e como foi grafado pela primeira vez o topónimo em estudo. Cavazzi (1965:22) diz que, no século XVI, uma região denominada “Kissama” já fazia parte dos limites geográficos do Reino do Ndongo. A língua vernácula da Quiçama é o Kimbundu, mas é o português que mais se tem difundido.

Kimbundu é uma das diversas línguas Bantu falada em Angola. Mais precisamente na capital, Luanda, nas províncias de Cuanza-norte, Malanje, Bengo, nas zonas fronteiriças ao norte da província do Cuanza – Sul, assim como ao sul das províncias do Uíge e Zaire. As línguas com que o Kimbundu confina são: o Kikongo ao norte, falado no Uíge e Zaire; as línguas Kioka e Lunda, a leste, falada no Moxico e o Umbundu ao sul, falado no Cuanza-sul e Benguela. Uma área tão importante devido à localização, que tem nome de origem africana.

 
13. CARANGOLA - TOPONÍMIA AFRICANA

 “Cará” um tubérculo cujo nome científico é Dioscorea Alata. É um alimento que pode ser encontrado na maioria das feiras e mercados, geralmente nas barraca em que também se vende batata-inglesa e inhame.. Ao que tudo indica o nome deste tubérculo é derivado da palavra senegalesa ñam, que significa ”para comer”. Ele foi trazido para o Brasil das ilhas de Cabo Verde e São Tomé ainda no período colonial e se adaptou muito bem ao nosso clima.

Pensar nessas origens revelam presenças que resistem no falar. Assim como Cará-de-angola, cará-da-guiné, caranambú, caratinga, cará-liso, cará-de-pele-branca, cará-de-folha-colorida, cará-da-costa, cará-inhame, inhame-cará, inhame-da-costa, inhame-taioba, inhame-da-china, inhame-da-índia, inhame-do-egito, inhame-de-coriolá, batata-da-ilha, ecapa, sibomgo, taró, unhame, mangaraz. Aqui CARÁ-GOLA

 

 FONTES: 

AQUINO, Renata. Afroinscrições em Petrópolis : história, memória e territorialidades / Renata Aquino da Silva. – 2019.

14. MURAL DANDARA, TERESA DE BENGUELA E ZUMBI

Mural pintado em homenageia Zumbi, Dandara e Teresa de Benguela pelo artista petropolitano, Rodrigo Esteves de Lacerda, conhecido como DOUG. O projeto foi subsidiado com recursos públicos, através da extinta Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis, no ano de 2015, durante a festa de comemoração da Consciência Negra.  

O grafitti como expressão de arte urbana, sendo o autor, parte da primeira geração da arte de rua da cidade de Petrópolis. Hoje, o movimento negro da cidade se organiza para manter e preservar esta manifestação, atribuindo à ela celebração as nossas presenças e ancestrais

UM QUILOMBO VIVO!